sábado, 28 de março de 2009

Cão.

minha maior cúmplice, kika.

"Oh doce mistério animal. Oh alegria mansa. Que fascínio. Mas que fascínio tremendo é esse desafio da besta! Oh doce martírio de não saber falar e sim apenas latir. Você é quem me pergunta se é doce morrer. Eu também não sei se é doce morrer. Até agora só conheço a morte do sono. Vivo me matando todas as noites.

Ter contacto com a vida animal é indispensável à minha saúde psíquica. Meu cão me revigora toda. Sem falar que dorme às vezes aos meus pés enchendo o quarto da cálida vida úmida. O meu cão me ensina a viver. Ele só fica "sendo". "Ser" é a sua atividade. E ser é minha mais profunda intimidade. Quando ele adormece no meu colo eu o velo e à sua bem ritmada respiração. E — ele imóvel ao meu colo — formamos um só todo orgânico, viva estátua muda. É quando sou lua e sou os ventos da noite. Às vezes, de tanta vida mútua, nós nos incomodamos. Meu cachorro é tão cachorro como um homem é tão homem. Amo a cachorrice e a humanidade cálida dos dois.

O cão é um bicho misterioso porque ele quase que pensa, sem falar que sente tudo menos a noção do futuro. O cavalo, a menos que seja alado, tem seu mistério resolvido em nobreza e o tigre é um grau mais misterioso do que o cão porque seu jeito é mais primitivo ainda.
O cão — este ser incompreendido que faz o possível para participar aos homens o que ele é..."


by Lispector.

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